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Arcabouço fiscal: piso de gastos traz risco à economia, apontam especialistas

Especialistas ouvidos pelo Brasil 61 alertam que a regra que permite um crescimento mínimo de 0,6% nos gastos do governo, mesmo em momentos de queda na arrecadação, pode desequilibrar as contas públicas. O dispositivo faz parte do arcabouço fiscal entregue pelo governo ao Congresso Nacional, na última terça-feira (18).

À reportagem, os especialistas avaliaram que é importante apresentar um conjunto de regras que vão nortear as contas públicas. Mas há o temor de que para cumprir com os gastos e as metas de resultado primário previstos, o governo tenha que aumentar a carga tributária – mesmo que o ministro Haddad tenha descartado a ideia num primeiro momento.

Especialista em direito tributário e societário, Leonardo Roesler, sócio-fundador da RMS Advogados, avalia como positiva a proposta do governo. “Agora está se colocando um regramento mais claro. Eu acho que é super positivo, principalmente para acalmar um pouco o investidor estrangeiro, para dizer que, de fato, esse governo está olhando para a responsabilidade fiscal”. Ele acredita que se o arcabouço fiscal for bem estruturado e puder ser acompanhado da aprovação de reformas estruturais, como a tributária e administrativa, o país pode alcançar estabilidade nas contas públicas e crescimento econômico.

Já o economista Lucas Jardim Matos avalia que, no final das contas, a equipe econômica conseguiu acenar tanto para a ala mais ideológica do governo quanto para o mercado financeiro. “A expectativa era que o governo não ia conseguir agradar nem a sua base, nem o mercado. Só que a reação foi contrária. Você não viu o PT criticando a proposta e nem uma reação negativa por parte do mercado. O dólar baixou e a bolsa cresceu. A gente tem que levar em consideração que o Haddad conseguiu alcançar um meio termo”.

Raone Costa, economista-chefe da Alphatree, alerta que o governo não deu nenhum indício de que pretende diminuir a despesa nos próximos anos, nem mesmo se a economia recuar. “Não tivemos nenhum tipo de medida de corte de gastos anunciada. Pelo contrário, foram anunciadas uma série de medidas de aumento de gastos. Outra coisa que não está clara é, se a coisa começar a apertar, de onde o governo corta? Isso poderia ter sido colocado no arcabouço e não foi”, avalia.

O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, classificou a proposta como “capenga”.

“A projeção que o arcabouço faz de que as despesas vão crescer menos do que o crescimento da receita a partir de um ano futuro é insuficiente diante da necessidade que nós temos de conter a despesa imediatamente. O governo tem hoje uma despesa muito superior à receita. Se nós não temos condições de ter redução de despesa imediata, só sobra uma lógica que possa permitir esse equilíbrio. É se houver um aumento de arrecadação”, critica.

Professor de economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Benito Salomão demonstrou preocupação com o cumprimento das regras fiscais pelo governo, pois, segundo ele, o país não tem um bom histórico de respeito às regras em momentos de crise.

“Você cria todo tipo de desculpa para falar que o ajuste não pode ser feito naquele ano por causa de um contexto específico e aí você não cumpre a regra. O Brasil tem regras fiscais. O que o Brasil precisa é de uma cultura de cumprimento das regras fiscais. Já estamos há uma década descumprindo regra fiscal”, afirma.

Principais pontos do arcabouço fiscal proposto pelo governo

Entenda abaixo cada uma das regras sugeridas pelo Ministério da Fazenda e o que os especialistas pensam sobre as medidas.

Isso significa que se a arrecadação do governo com impostos, taxas, concessões, royalties, entre outros, crescer 1%, por exemplo, as despesas públicas só poderão subir 0,7%, pois 70% de 1% é igual a 0,7%.

Num outro cenário ilustrativo, se a receita subir 2%, o aumento dos gastos será limitado a 1,4%. Caso a receita cresça 3%, as despesas só vão poder subir 2,1% e assim por diante. Para calcular o quanto vai poder gastar, o governo vai considerar a receita obtida entre julho de um ano e junho do ano seguinte.

Pense assim: se o governo arrecadar R$ 10 bilhões a mais entre julho de 2022 e junho de 2023, pela nova regra fiscal ele só poderá ampliar o gasto em 70% desse valor em 2024, ou seja, R$ 7 bilhões.

O governo sugere ainda uma segunda regra para os gastos públicos.

Esse ponto do novo arcabouço fiscal é chamado de “mecanismo anticíclico” pela equipe econômica. A ideia é que nos momentos em que a economia desacelerar e a arrecadação do governo diminuir, a despesa tenha um crescimento real garantido de 0,6% – sem contar a inflação – em relação ao ano anterior.

Raone Costa diz que a regra torna o arcabouço fiscal proposto pela Fazenda menos rígido do que o teto de gastos. Em vigor, o teto de gastos diz que os gastos do governo não podem ter crescimento real, o que significa que as despesas do poder público não podem subir nada além da inflação.

A proposta do governo Lula é de que, mesmo que a receita caia de um ano para o outro, a despesa tenha um piso mínimo de crescimento, que é de 0,6% mais a inflação. Já em anos de bonança para a arrecadação federal, o governo propõe um limite de crescimento real da despesa de 2,5%. Isso tenta impedir que, diante de um volume extraordinário de receitas, o Executivo gaste até o limite da primeira regra.

“O governo está tentando fazer um plano fiscal que seja contracíclico. A ideia é interessante. Mas, honestamente, não acho interessante, em momento algum, a despesa subir 2,5% acima da inflação. No teto de gastos, a alta da despesa real era zero. O país já gasta bastante. Gostaria de ver medidas que promovessem tanto uma redução de tributos quanto de gastos públicos ao longo do tempo, e o que esse pacote faz é o contrário”, afirma Raone.

Segundo Rodrigo Leite, professor de finanças públicas do Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estabelecer um teto para o crescimento das despesas no momento em que a arrecadação estiver subindo é positivo. Mas ele alerta que a criação de um piso mínimo de gastos reais pode jogar o país em uma espiral inflacionária nos momentos de queda da economia.

“Imagine um cenário de queda de 2% no PIB e 10% de inflação e a receita caiu 3%. Significa que o governo teria que aumentar o gasto para o ano seguinte em 10,6%, sendo 0,6% de aumento real além da inflação. A gente tem um cenário de queda de arrecadação, aumento de inflação e queda do PIB e o governo é obrigado a gastar mais. Isso tem o potencial de fazer uma espiral inflacionária no país. A inflação subiu, o governo está gastando mais e porque o governo está gastando mais a inflação está subindo”.

O economista Lucas Matos afirma que a medida proposta pelo governo não tem caráter anticíclico, pois mesmo quando a receita cair haverá aumento real de gastos, quando, na verdade, deveria se buscar a contenção de despesas.

“Anticíclico é: o governo está arrecadando mais, diminui os gastos para criar uma poupança. Quando o governo crescer pouco, usa essa poupança para incentivar. Agora, o que o governo apresentou é que ele vai estar sempre incentivando o gasto. Essa é uma medida pró-cíclica e não anticíclica”.

Pela proposta, estariam excluídos desse limite para as despesas os gastos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o piso da enfermagem.

O resultado primário é a diferença entre o que o governo arrecada e gasta, sem contar o pagamento dos juros da dívida. A cada ano o Executivo tem que estabelecer uma meta (valor) para o resultado primário do ano seguinte.

O novo arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda cria um intervalo (ou bandas) de variação para a meta do resultado primário. Ou seja, além da meta, haverá margens de tolerância para mais e para menos, algo semelhante ao que ocorre com o regime de metas de inflação.

Em 2023, por exemplo, a meta de inflação a ser perseguida pelo Banco Central é de 3,25%. Mas por conta do intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, ela será considerada cumprida se ficar entre 1,75% e 4,75%.

Para entender a mudança proposta, vamos usar como base a meta para o resultado primário de 2023. Segundo a equipe econômica, a diferença entre o que o governo vai arrecadar e o que vai gastar este ano corresponde a – 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a cerca de R$ 50 bilhões. Ou seja, o governo estima que vai ficar no vermelho em R$ 50 bilhões.

Com a ideia de introduzir um intervalo de variação, o resultado primário de 2023 poderá variar até 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo que, mesmo assim, será considerado cumprido.

Pela regra atual, o governo terá cumprido a meta de resultado primário se fechar o ano com um prejuízo de R$ 50 bi. Mas com a criação das bandas de variação, o Executivo terá cumprido a meta desde que as contas fiquem no vermelho entre R$ 75 bi e R$ 25 bi.

Benito Salomão pontua que o estabelecimento de margens para a meta de resultado primário pode prejudicar a busca do Executivo pelo melhor resultado possível. “Há sempre o incentivo para o governo pegar e conduzir o resultado primário para o piso da meta: ele gastar mais e entregar aquele resultado primário que é o mais baixo possível dentro das bandas que ele anunciou”, destaca.

Mas o que acontece se o resultado primário ficar fora do intervalo de variação? Segundo o Ministério da Fazenda, caso as contas públicas registrem um desempenho superior ao limite da meta, o que em 2023, por exemplo, seria fechar o caixa com um rombo ainda menor do que R$ 25 bi, o excesso será direcionado para investimentos.

Agora, se o resultado primário for ainda pior do que o esperado, haverá uma limitação do crescimento das despesas a 50% do crescimento das receitas do ano anterior e, não mais, 70%, como diz a primeira regra do arcabouço.

Fonte: Brasil61

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